O cristão e a política
- batistavinhonovo
- 23 de set. de 2014
- 12 min de leitura
Pr. Aluizio A. Silva
Vivemos um tempo de muitas vozes e muitas direções. Precisamos ter um posicionamento claro sobre o papel da igreja e do cristão na política para que os nossos membros não sejam levados de um lado para o outro por todo vento de filosofias e doutrinas.
No decorrer da histórias os cristãos têm debatido frequentemente sobre o papel da Igreja na política. Sobre isso parece haver três posições mais comuns:
1. Em primeiro lugar há aqueles que defendem que a igreja não deve ter nenhuma atividade política. Esses irmãos defendem que o reino de Deus não é desse mundo e estamos aqui para edificar a nação santa e não uma nação desse mundo.
2. Um segundo grupo acredita que tanto a igreja como os crentes individualmente possuem responsabilidades sociais e políticas e que, portanto, deveria trabalhar e se empenhar para que as condições de vida no país melhorassem.
3. Há ainda um terceiro grupo que acredita que a igreja deveria fundar partidos políticos e se engajar numa luta revolucionária de transformação da ordem social e política vigentes. Esses cristãos acreditam que o reino de Deus será estabelecido na terra através da igreja, por isso eles trabalham para que a igreja possa assumir o poder político.
Evidentemente existem posições mais ou menos radical em cada uma dessas vertentes. Qual delas seria a posição mais bíblica a ser seguida?
1. Qual a posição bíblica?
O principal interesse da Bíblia é sempre a relação entre Deus e os homens
Veja o exemplo de Jesus com relação a pagar impostos a César (Mt 22.15-21). Ele apenas disse: "Dê a César o que é de César e dê a Deus o que é de Deus". Existe algo que é de Deus, e é isso que importa antes de tudo.
Sei que hoje os pregadores estão muito envolvidos com as necessidades naturais dos homens, mas o ponto central das Escrituras é a relação do homem com Deus.
É interessante observar que o Senhor Jesus realmente ajudou e alimentou os pobres, mas o centro da Sua mensagem era a necessidade de cada um ter uma relação correta com Deus. É indiscutivelmente importante ajudar as pessoas em suas necessidades básicas de comer e vestir. Contudo, mais importante do que isso é que elas sejam salvas da condenação do inferno. A relação do homem com Deus é prioritária.
A relação com Deus muda a relação entre homem e homem
O tipo de relação que mantemos com os homens é apenas um reflexo da relação que temos com Deus. Certa vez, um escriba se aproximou de Jesus e lhe perguntou qual era o mandamento mais importante.
Chegando um dos escribas, tendo ouvido a discussão entre eles, vendo como Jesus lhes houvera respondido bem, perguntou-lhe: Qual é o principal de todos os mandamentos? Respondeu Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes (Mc 12.28-31).
Observe a sequência dos dois mandamentos colocados como os mais importantes. Em primeiro lugar, vem a nossa relação com Deus. Se a sua relação com Deus estiver correta, você espontaneamente se relacionará apropriadamente com os homens. Ninguém pode dizer que ama a Deus e odeia seu próximo (1 Jo 4.20). Portanto, tudo começa com o amor a Deus.
Não há nenhuma orientação bíblica para que mudemos a sociedade ou façamos uma revolução, a verdade bíblica é que a sociedade é mudada se o homem for mudado. O que aconteceria se cada um amasse o seu próximo como a si mesmo? Certamente, não haveria essa desigualdade social e a opressão social. Assim, a ênfase bíblica é na mudança do homem, e não na mudança de sistemas políticos.
Certa vez, um homem estava em seu escritório envolvido em muito trabalho. Ele, porém, não conseguia trabalhar porque seu filho pequeno requeria sua atenção o tempo todo. Para distrair o garoto, ele pegou uma imagem de um globo terrestre e a recortou. Em seguida, pediu que seu filho consertasse a foto do globo montando o quebra-cabeça. Para seu desânimo, poucos minutos depois, o garoto havia completado a tarefa. "Como você conseguiu montar tudo tão rápido?". Perguntou o pai. Ele disse: "Foi simples, eu percebi que no verso do papel havia a fotografia de um homem, e, quando consegui formar a imagem do homem, o globo estava também consertado". Esta é a verdade bíblica, o mundo só é transformado quando o homem é transformado.
A Bíblia não trata a respeito de nenhum sistema político ou econômico. Certamente, não é função da igreja revolucionar a sociedade e mudar seu sistema político. Não estamos aqui para fazer nenhum tipo de revolução política. Não somos um tipo de sistema subversivo que está aqui para mudar a ordem social.
Algumas vezes a igreja é acusada de ser apenas uma mantenedora do sistema político atual. Acusam-nos de sermos sempre governistas e de defendermos sempre quem está no poder. Infelizmente esses preconceitos têm impedido muitos de virem para o evangelho.
A Bíblia nunca dá ênfase às coisas deste mundo
O terceiro ponto que devemos entender é que a Bíblia nunca dá ênfase às coisas deste mundo. Na verdade, a posição bíblica é que nós somos forasteiros neste mundo. Nós não somos daqui. Nós somos peregrinos e forasteiros, não nos envolvemos nas coisas desta vida.
Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma (1 Pe 2.11).
A igreja deve ser vista como uma colônia celestial na terra. Como colônia, nós respeitamos as leis deste mundo, mas nós mesmos temos outros costumes diferentes dos daqui. Nossos valores são outros e nossa natureza é outra. Os outros homens deste mundo são apenas almas viventes, nós somos espírito vivificante (1 Co 15.45).
A ideia bíblica é que a nossa relação com Deus é o que há de mais importante e a vida neste mundo é passageira e fugaz. Isso, porém, não significa que devemos nos isolar; antes, devemos mudar aquilo que está ao nosso alcance e autoridade. Podemos exercer funções políticas e até recorrer a nossos direitos políticos, como fez Paulo ao apelar para seus direitos de cidadão romano, em Atos 16 e 25.
No entanto, nunca se esqueça de que sua pátria está nos céus. A ênfase bíblica nunca é mudar as coisas neste mundo. O mundo jaz no maligno, não importa o país, nem o sistema político, porque tudo está imerso no maligno.
A dupla cidadania é sempre um dilema para os cristãos. Por um lado eles são cidadãos celestiais, mas por outro ainda pertencem a esse mundo e são parte da sociedade humana. Por um lado fazem parte do novo homem criado em Cristo, mas por outro ainda vivem no meio da velha humanidade caída.
Não existe um conflito inerente entre essas duas condições de vida, a terrena e a celestial, mas ocasionalmente pode surgir um conflito quando as exigências de nossa cidadania humana colidem com a nossa cidadania celestial. Quando isso ocorre precisamos dizer como Pedro: “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29).
No entanto Jesus disse que o reino dos céus está dentro de nós, por isso cremos que as realidades da nossa cidadania celestial em algum momento acaba por influenciar e mudar a condição de nossa cidadania terrena.
2. A posição da igreja diante da condição política
Muitos vivem num dilema: Será que não precisamos ensinar mais política? Será que não temos de transformar nosso púlpito em um espaço para defender a justiça social? Não deveríamos pregar para condenar a grande impunidade e injustiça que há neste país? Eu creio que não.
A tarefa primária da igreja é evangelizar, é levar as pessoas ao conhecimento de Deus e do evangelho. Feito isso, deve-se ensiná-las a viver como povo de Deus na vida da igreja. A igreja não está aqui para reformar o mundo, pois o mundo não pode ser reformado. Nosso trabalho é tirar os homens da escravidão do Diabo e conduzi-los ao reino de Deus. Não estamos aqui para reformar este mundo, mas para trazer o mundo vindouro.
No Velho Testamento, a nação inteira era povo de Deus. Assim, tratar com o povo de Deus era tratar com a nação. Todavia, no Novo Testamento, nós somos chamados para fora, e a nação de Deus agora é apenas a igreja (1 Pe 2.9).
Nosso alvo é ganhar as almas. Isso é incompatível com um posicionamento partidário. Se, como igreja, defendemos uma posição política qualquer, perdemos aqueles que são da oposição, mas ambos precisam de salvação. Se a igreja assume uma posição de esquerda, o pessoal de direita vai achar que não há lugar para eles aqui. Se assumirmos uma posição de direita, o pessoal de esquerda vai dizer que somos reacionários e também não ficarão aqui. Por causa de escolhas políticas, pessoas poderão se perder. Nosso alvo não é defender um partido ou uma ideologia, mas levar as almas para o céu. Se você é de direita ou de esquerda, isso é opção sua. Não atribua valor espiritual a isso, porque não existe sistema político ou econômico perfeito.
Eu sei que o comunismo caiu porque não era um bom sistema, mas não fique pensando que o capitalismo é melhor. É apenas o mais imprestável que prevaleceu sobre outros piores. O capitalismo é do Diabo: é patrão engolindo empregado; é concorrente desleal engolindo o outro; é banco devorando industrial; é industrial devorando varejista; é varejista explorando o consumidor. Não se pode dizer que isso é do céu. Não precisamos defender sistema nenhum. Assim, não é função da igreja denunciar esse ou aquele problema político, mas pregar o evangelho.
Podemos deduzir alguns princípios gerais a este respeito.
O cristianismo não anula nossas relações sociais
Nos dias de Paulo alguns queriam abandonar sua mulher não cristã e havia filhos que não queriam se submeter a seus pais pagãos. Em 1 Coríntios 7, algumas mulheres pensaram assim: “Eu me converti e meu marido não, agora eu posso me separar dele”. Paulo responde que se ela está casada com ele, seu casamento é uma condição social que continua valendo depois de convertida, mesmo que o marido não tenha se convertido ainda.
Talvez um filho dissesse: “Eu me converti, por isso não vou obedecer ao meu pai porque ele é idólatra, um ímpio pagão”. Paulo diz que o filho deve honrar seu pai mesmo que ele não seja cristão.
Também havia escravos que poderiam supor que não precisavam mais se submeter a seus senhores, pois, em Cristo, já não havia circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo era tudo em todos (Cl 3.11). Mas a verdade é que todas essas relações continuam depois da conversão; agora, porém, com uma nova atitude e um novo ponto de vista. Cada um deve permanecer na vocação em que foi chamado.
Cada um permaneça na vocação em que foi chamado. Foste chamado sendo escravo? Não te preocupes com isso; mas, se ainda podes tornar-te livre, aproveita a oportunidade. Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente, o que foi chamado, sendo livre, é escravo de Cristo. Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens (1 Co 7.20-23).
O cristianismo não é um sistema econômico ou político
Como já dissemos, o centro do pensamento bíblico é a nossa relação com Deus, e não a relação entre homem e homem. Ser liberto do Diabo e do pecado é o que importa. Ter a vida mudada pelo novo nascimento é a verdadeira revolução. Se o homem é mudado, o mundo é mudado também. As outras relações são todas transformadas quando você, de fato, é livre no espírito. A igreja não pode se posicionar politicamente, porque não existe sistema político perfeito. Somente quando Cristo vier, é que teremos o reinado da verdadeira paz.
A ênfase bíblica é na conduta do cristão
A igreja não deve se preocupar em mudar as condições, mas em ter um comportamento semelhante ao de Cristo nas condições existentes.
Somos sempre exortados a nos submeter às autoridades (Rm 13.1-6).
Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei (1 Pe 2.13,14,17).
As instituições não são do Senhor, elas são humanas, mas, por causa do Senhor, você deve se submeter, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por Ele. Lembre-se de que Pedro escreveu isso quando Nero era o imperador de Roma. Tudo fica mais assombroso quando lembramos que foi Nero quem martirizou a Pedro e a Paulo.
Vamos colocar as coisas em perspectiva. Pedro mandou honrar a Nero, aquele imperador de Roma que mandou abrir a barriga da mãe só para ver de onde ele tinha vindo. Ele ateou fogo na cidade para ficar mais inspirado enquanto tocava harpa. Nem dá para imaginar quantos cristãos foram mortos no seu reinado. Se fosse hoje, muitos diriam: “Irmãos, esse Nero é o anticristo, ele é do Diabo. Vamos orar para Deus removê-lo”. Pedro, no entanto, nos mandou honrar o rei. Isso nos deixa perplexos, mas esse é o padrão elevado da Palavra de Deus.
Tudo isso, porém, não significa que o sistema não possa ser mudado, mas não é o nosso propósito e nem é o nosso chamado.
Deveres sociais e políticos de um cristão
Paulo diz que as instituições sociais são uma provisão divina para que seja possível vivermos em sociedade no meio de homens caídos. Essas instituições permitem que o pecado seja limitado e o malfeitor seja punido. Portanto as instituições são boas porque todas visam o bem da sociedade. Deus não pede que os crentes se distanciem do processo político de governo e deixem o controle sociopolítico e econômico nas mãos dos “malfeitores”. Os cristãos individualmente devem ser o sal e a luz do mundo social, e portanto não podem simplesmente se afastar do processo político. A igreja como instituição, não deve se envolver na política, mas os cristãos devem participar.
Na verdade a omissão é em si mesma uma ação política que abre o caminho para o controle político por aqueles que não apóiam valores cristãos. “Nada fazer” é uma receita certa para a impiedade tomar o controle da situação.
Se cremos que a Igreja, como instituição, não deveria se posicionar politicamente, o que dizer do crente individualmente? Creio que os deveres de cada cristão podem ser assim entendidos.
O primeiro dever do crente é orar a favor daqueles que estão investidos de autoridade governamental. Precisamos orar pelos problemas que afligem a sociedade e também precisamos orar para que não haja impedimento para a livre expressão e a pregação do evangelho. Sei que muitos acham que a oração é um tipo de inação, mas a verdade é que quando oramos em unidade, o poder de Deus é liberado e as circunstâncias mudam.
O segundo dever do cristão é de votar. Devemos votar mesmo quando a nossa escolha é entre o menos pior de dois males. Sei que muitos vêem o voto apenas como um direito, mas para um cristão é um dever.
O terceiro dever do cristão é se educar e informar-se. Precisamos nos instruir continuamente sobre todas as questões que afetam a nossa vida em sociedade. Ignorância política não é virtude espiritual.
O quarto dever do cristão é o de se candidatar a cargos públicos. Na verdade esse é um direito de todo cidadão. Não há nada de errado que cristãos aspirem por posições de liderança política. Creio que a igreja não deve se posicionar partidariamente, mas os membros da igreja podem fazer isso individualmente. Os pastores também não podem se candidatar porque isso inevitavelmente seria um posicionamento da igreja, uma vez que pastores falam por ela. Se um pastor quiser se candidatar, ele deve abandonar o pastorado e abdicar do seu título de pastor.
Precisamos, porém, advertir os irmãos sobre os riscos do envolvimento político. Sempre há o risco da pessoas ser enganada e se embriagar pelo sistema desse mundo. O sucesso na política envolve compromissos, ocultação de fraquezas e a defesa de ideias partidárias. Algumas vezes é necessário aceitar alianças e se envolver em expedientes que não refletem as nossas convicções morais.
Um político cristão vai sempre caminhar numa corda bamba. Ele crê em Deus, mas se vê servindo a um sistema que ignora o poder de Deus. Além disso a prática da política é envolvente e absorvente. Um cristão político não terá facilidade de manter-se atuante na igreja local.
Precisamos ter cuidado para não transformarmos a mensagem cristã numa mera ideologia política. Infelizmente muitas igrejas abandonaram a verdade do evangelho e trabalham para que o país se torne uma Suiça ou Suécia dos trópicos, mas isso definitivamente não é o reino de Deus e nem o nosso papel.
Sabemos que a Videira e a Vinha inevitavelmente serão chamadas para opinar sobre questões sociais e políticas, afinal seremos centenas de milhares no futuro, mas precisamos nos resguardar. A igreja não deve jamais se identificar com um sistema político ou partidário. Um envolvimento assim poderia até trazer benefícios momentâneos, mas no final destruiria o nosso chamado ministerial e profético. Somos Igreja e não um ONG social. Nossa meta é a transformação do indivíduo e, apenas como resultado disso, a transformação de toda a sociedade.
O crente deve procurar melhorar as condições de vida na sociedade
O alvo da igreja é produzir cristãos por meio da pregação. Todavia, à medida que as pessoas se convertem, elas ampliam sua visão e entendimento e passam a aplicar a verdade bíblica ao seu viver diário.
Imagine uma comunidade de analfabetos que se converte. Eles agora desejam conhecer a Bíblia e, por isso, passam e ter interesse em aprender a ler. Todavia, quando vão à escola, percebem que as condições da escola são ruins e passam a procurar mudanças positivas no lugar onde vivem.
A Bíblia não traz uma ordem para acabar com a escravidão. No entanto, foram homens cristãos que acabaram com ela, como Willian Wilberforce e Abraham Lincoln. Foram os cristãos que mudaram definitivamente uma condição de vida ultrajante.
É quando a igreja produz crentes que ela muda as situações. Portanto, sua atuação é sempre indireta. Não pegamos nas armas nem fundamos partidos. Nós pregamos o evangelho.
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